Rituais de passagem
2015/01/02 22:42
| Diário do Sul, Visto do Alentejo
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A mudança do ano é um tempo mágico em
que de forma mais ou menos consciente todos somos tomados por rituais
imemoriais de passagem. Ficamos mais sensíveis e mais abertos a reflectir sobre
o mundo em que vivemos. Temos menos desculpas para viver mecanicamente os dias
fugindo a sete pés do confronto com o sentido da vida.
Com Francisco mantendo a capacidade de
abrir corações e quebrar tabus, como bem o demonstrou a sua inesquecível
comunicação à Cúria, encontrei este ano mais gente disponível para não discutir
apenas a qualidade do bolo-rei ou do champagne, ou noutro registo, para
lamentar a pobreza que grassa numa sociedade de abundância, o que é louvável
sobretudo quando conduz à acção concreta, mas para tentar compreender o sentido
das coisas.
Um livro de grande qualidade, coordenado
pelo Professor e Padre Anselmo Borges (“Deus ainda tem futuro?” Gradiva, 2014)
foi um excelente companheiro do período festivo, com as suas análises
multifacetadas, expondo de maneira clara as perspectivas dos naturalistas e
evolucionistas ateus até à visão dos criacionistas mais radicais, explicitando
pelo meio as múltiplas visões conjugadas de grandes autores e grandes espíritos
que dando razão à regra, quanto maiores e mais consistentes são no seu saber
mais se abrem ao contraditório e à opinião do outro.
Deus ainda tem futuro? No mundo
confrontam-se duas visões extremas. Os que achando que o espiritual rege o
cientifico e que em consequência Deus criou o Homem dando-lhe as ferramentas
para que este o procure sem cessar, enquanto outros dando primazia à ciência
postulam que foi o Homem que criou Deus para poder ter um sentido de busca e
aperfeiçoamento constante.
Seja como for, Ele está sempre presente
e não apenas tem futuro como é o futuro! A verdade não é um extremo mas uma
confluência de muitos saberes. Como escreveu João Paulo II, “A ciência pode
purificar a religião do erro e da superstição. A religião pode purificar a
ciência da idolatria e dos falsos absolutos”.
Recordo neste tempo frio e solarengo a
abafada noite alentejana em que “conheci” o Padre jesuíta Teilhard de Chardin,
aquele que para mim melhor conseguiu até hoje definir uma
síntese entre transcendência e imanência, entre o Deus criativo e o Deus
evolutivo. Disse Chardin – “Creio que o universo é uma evolução / Creio que a
evolução caminha para o espírito / Creio que o espírito do Homem se perfaz em
algo de pessoal / Creio que o pessoal supremo é o Cristo Universal”. Feliz 2015
para todos.
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