Gestão Global: Contributos para uma economia da felicidade
2008/11/04 12:04
| Malha Larga
| Link permanente
Cabe-me proferir esta lição inaugural numa sala que marcou os momentos mais significativos da minha carreira académica, em particular o Doutoramento e a Agregação, mas também a imposição das insígnias doutorais e a participação em cerimónias de elevado significado académico.
Uma sala de actos de rara beleza e longa história, que constitui o salão nobre dos claustros que me viram crescer como homem e como profissional, rodeado de amigos e de mestres a quem dedico as primeiras palavras deste momento, e a quem dirijo com emoção um singelo obrigado.
Um obrigado que é simultaneamente uma lembrança indelével para aqueles que o tempo já convidou a partir, mas que continuam entre nós pela força da amizade e da vontade de conhecer e partilhar com que pautaram a sua vida.
Recordo neste momento a minha profunda ligação a este espaço, que começou quando com apenas dezasseis anos entrei no então Liceu Nacional de Évora, que funcionava neste edifício e que prosseguiu neste mesmo Convento do Espírito Santo com a licenciatura em Gestão, o Doutoramento em Gestão da Informação, a Agregação e o atingir da Cátedra.
Ao longo deste caminho procurei sempre ser digno da escolha que fiz.
Aquilo que deve mover o homem de ciência e o pedagogo é a procura da verdade e a partilha dos instrumentos que ajudam a caminhar no seu sentido.
Foi com este pressuposto que escolhi o tema desta lição inaugural.
Uma lição sobre gestão, tendo em conta o contexto de globalização em que ela hoje é exercida, mas também uma lição sobre a vida, sobre a aprendizagem e sobre os caminhos que conduzem os indivíduos a patamares mais elevados de realização pessoal enquanto agentes económicos e sociais.
Entendo que quando lhe é dada a oportunidade de proferir uma lição inaugural, reconhecimento implícito de maturidade e confiança outorgada pelos seus pares, não se deve o orador limitar a expor o que aprendeu na investigação ou no processo de ensino.
De facto, sobre esses dois pilares estruturantes, vão os anos tecendo uma malha única e maravilhosa de experiências de vida, de saber implícito, de vivências com valor pedagógico e científico, que são o capital adquirido mais valioso e aquele cuja partilha certamente mais se coaduna à solenidade deste acto.
Vou reflectir convosco nos próximos minutos sobre gestão e sobre felicidade.
Um casamento improvável, convenhamos! Tão improvável quanto conveniente e necessário.
A maioria dos cidadãos comuns associa Gestão a comando e controlo e portanto a um saber que restringe graus de liberdade em troco duma compensação financeira fundamental para a subsistência dos indivíduos e das famílias e para o equilíbrio das sociedades.
A Gestão comando e controlo é uma realidade objectiva e não desapareceu. Está hoje aliás mais forte e saudável que nunca, impregnada não apenas nas organizações como também nos sistemas de informação que as suportam e que se transformam cada vez mais em próteses gestionárias de elevado rigor e sensibilidade.
A globalização em rede, desenvolvida sobre a nova tectónica dos sistemas de informação, estruturada já não apenas nos fluxos de mercadorias, capitais e pessoas, mas construída sobre redes globais fluidas, flexíveis e com elevado grau de permanência, recoloca o indivíduo, organizado ou não em comunidades, no centro do processo de criação de riqueza e de definição das dinâmicas económicas.
Terminou o tempo em que pensar global e agir local garantia a articulação perfeita entre a grande dimensão e a pequena dimensão.
Hoje é fundamental pensar global e agir global, quando se pretende induzir desenvolvimento num patamar local.
Ora, o motor desse desenvolvimento local são os indivíduos nos diversos papéis que desempenham e nas fórmulas de organização que estabelecem.
Daqui decorre uma evidência clara. Uma economia saudável e consistente precisa de indivíduos felizes.
Dito de outra maneira, havendo certamente na vida milhares de formas de se ser feliz (ou de se ser infeliz), compete cada vez mais à gestão promover nas empresas, nos mercados ou nas instituições uma convergência activa entre a felicidade e a criação de valor económico e social.
Chegámos assim ao cerne do objecto desta lição. Num contexto de Gestão Global e globalizada, o contributo para a felicidade de trabalhadores e consumidores deve ser um dos objectivos da Gestão enquanto ciência e enquanto técnica?
Acredito que isso não apenas é possível como é mutuamente desejável. Por isso centrei esta lição nas relações entre a gestão e a felicidade, lembrando uma definição antiga e provocatória com que costumo estimular os neófitos destes estudos, dizendo-lhe que o gestor é o sacerdote do ofício material!
Mas o que é a Gestão? Do meu ponto de vista, e sem menosprezo para todas as outras áreas do saber que dela são afluentes críticos e determinantes, a gestão global é á ciência do século XXI.
Afirmei-o, não sem alguma polémica, na abertura duma edição temática da Revista Economia e Sociologia, uma das expressões máximas da literatura científica da nossa academia e reitero-o agora com similar fundamentação e convicção.
A origem da Gestão como actividade humana de sobrevivência e desenvolvimento vem de tempos imemoriais. Logo que o Homem sentiu necessidade de decidir, escolher ou optar, iniciou a sedimentação das suas capacidades de gerir.
As dinâmicas sociais e económicas ao longo da história foram tornando cada vez mais densos e difíceis os processos de decisão, escolha e opção.
Mais e mais variáveis, umas mais previsíveis ou controláveis que outras, foram sendo conhecidas.
Com a fluidez imaterial que caracteriza a sociedade da informação em que hoje vivemos, a multiplicidade de factores e condicionantes de decisão tornaram a gestão, complexa por natureza.
Uma complexidade geradora de contextos de incerteza, em que o cérebro humano e a sua capacidade de análise, discernimento e decisão se transformaram no maior activo criador e na chave da gestão moderna.
Neste quadro emergente, a gestão é cada vez mais a ciência das ciências.
Não porque a Gestão substitua ou seja mais importante do que os outros saberes, mas porque constitui para todos eles um complemento indispensável, capaz de lhes dar sustentabilidade, coerência e valor económico e social acrescido.
Vivemos hoje num mundo global cuja dinâmica de transformação é determinada pelo acesso e pela capacidade de lidar com informação.
É certo que muitos territórios e muitas pessoas continuam não conectados às redes virtuais de decisão.
Contudo, são aqueles que se integram de forma directa ou indirecta na malha reticular global de decisão que influenciam as dinâmicas de mudança.
Os outros, mesmo que sejam maiorias circunstanciais do ponto de vista territorial, são imensas minorias à escala global em que os movimentos de transformação ganham forma e se concretizam.
A dicotomia antes descrita é aliás um dos principais problemas que afecta hoje a solidez funcional das democracias representativas.
Uma sociedade cuja dinâmica de transformação é gerada pelos fluxos de informação / acção é por natureza uma sociedade complexa, não determinística, que evolui probabilisticamente e só é passível de ser percepcionada e compreendida através de modelos interpretativos da realidade.
Modelos que constituem representações selectivas, que permitem atribuir relevância ou irrelevância ás torrentes de informação a que cada pessoa ou cada organização podem aceder.
O modelo interpretativo, desenvolvido e treinado em função de objectivos, projectos ou interesses específicos, é um recurso base de sobrevivência na Sociedade actual.
A sua ausência lança as pessoas ou as instituições num processo degenerativo de infodependência compulsiva.
De facto, se é verdade que a informação reduz a incerteza quando o seu uso é focalizado num determinado objecto, facto ou processo a conhecer, quando tal não acontece, a informação é um poderoso gerador dessa mesma incerteza.
A informação é assim simultaneamente parte da solução e do problema, sendo que a chave está na representação que permite definir a solução e não alastrar o problema.
Gerir é por isso hoje, antes de mais e sobretudo, gerir representações e competências para as criar. É por isso que a Gestão é hoje uma ciência da convergência.
Representações capazes de ajudar a resolver problemas e a criar valor são necessárias na biologia, na economia, na matemática, na física, na história, na sociologia, na engenharia, na arquitectura, na medicina ou na geografia.
Criá-las, melhorá-las, integrá-las … isso é saber da Gestão.
Por isso a Gestão é a Ciência do século XXI e a ferramenta adequada para do ponto de vista social lidar com a complexidade.
E por isso também é cada vez maior o número de profissionais das diferentes áreas do saber que sentem necessidade de obter formação complementar em Gestão.
Num tempo de diversidade acrescida, a convergência pela gestão é uma dinâmica que vale a pena compreender e explorar.
Vivemos um tempo de globalização, dispersão, multiplicidade e complexidade.
As representações e a sua gestão são modelos de convergência para compreender o mundo, de forma a poder interagir com a sua dinâmica de mudança.
No mundo das ciências naturais procura-se avidamente uma teoria universal que permita ouvir a música do universo, cruzando células, átomos e bits e saberes da biologia, da física quântica e das ciências da informação.
Ao mesmo tempo, procurando libertar-se das rédeas do tempo e do espaço, dados, sons e imagens são laboriosamente intrincados pelas novas tecnologias, de forma a gerar realidades convergentes de comunicação e representação multimédia.
A gestão, enquanto ciência da convergência e da transformação, cruza todas as ciências sociais e os seus contributos analíticos, na exacta medida em que captura contributos de todas elas para definir opções e escolhas compatíveis com os objectivos definidos, sejam eles a criação de valor, a remuneração dos factores ou qualquer outra dimensão de satisfação ou interesse de quem gere ou mandata para gerir.
A gestão assume assim um papel de plataforma transversal do saber transformador, tendo as competências, o conhecimento e a informação como operadores fundamentais no desenho de representações adequadas aos objectos científicos ou práticos de suporte.
Os níveis de transversalidade da gestão afirmam-se em diferentes plataformas de complexidade.
A gestão pode assumir um carácter operacional, focalizando-se essencialmente sobre a gestão de dados e processos, um carácter táctico quando se centra nos significados e no conhecimento e um carácter estratégico quando trata da interpretação e das competências necessárias para a concretizar.
Competir e sobreviver implica cada vez mais a criação de contextos resilientes, simultaneamente coesos e flexíveis.
A resiliência sempre foi ao longo dos tempos uma meta da gestão.
Conseguir o melhor de dois mundos; cruzar a consistência organizacional com a adaptabilidade funcional face à dinâmica dos mercados.
O desenvolvimento das tecnologias da informação e da comunicação criaram uma ilusão de facilidade na procura da resiliência.
Aparentemente, estruturas fortes sujeitas a informação actual e permanente, gerariam decisões adequadas e adaptadas ás necessidades.
Este pressuposto contudo não resistiu à dimensão psicológica e de relação de poderes subjacente a todas as decisões empresariais.
Com surpresa, os especialistas foram constatando o poder crescente dos filtros de informação e leitura gerados ao longo da estrutura, para que nada de essencial mudasse.
Nada de estranho afinal! O paradoxo da mudança revela-nos a essência da resistência à mudança e da aparente imunidade à comunicação e à informação como seus instrumentos!
Porque quererão mudar os que têm poder para mudar? As suas orientações explícitas ou implícitas de mudança visam obviamente manter o poder primordial, ficando assim a organização prisioneira das relações de poder da sua estrutura dirigente.
A gestão não é no entanto uma ciência de acomodação. Restrição significa oportunidade de mudança de paradigma. E foi isso que sucedeu. Hoje gerimos sob uma nova equação.
A identidade e a coesão são dadas pelo repositório e pelas redes de informação e de conhecimento.
Com esse suporte os modelos organizacionais podem ser flexíveis, virtuais, em rede, grupais, de todas as formas e modelos que a imaginação pode imaginar e a competitividade global exige.
Esta realidade emergente coloca novos desafios éticos à ciência da gestão. Os valores são agora imbricados na informação, na gestão de percepções e na partilha do saber.
Na sociedade em que vivemos, nenhum Homem é verdadeiramente livre, se pelo significado, não for capaz de se libertar da manipulação, desenvolvendo a capacidade de descodificar e seleccionar a informação relevante a que acede.
Da mesma forma, nenhum Homem é verdadeiramente igual se não tiver iguais condições de acesso a essa informação relevante, nem verdadeiramente “humano” se for excluído das redes virtuais em que hoje se consolida a solidariedade, a cooperação e a convergência por objectivos comuns.
Como Ciência que é, a Gestão necessita de ser aprendida e praticada.
A fronteira entre a prática científica da gestão e a sua prática empírica é no entanto muito ténue numa sociedade em que a sobrevivência é um jogo permanente de combinação de recursos, troca e decisão.
Todo o Homem é em certos momentos da sua vida um praticante da gestão e por isso a Gestão tem também uma responsabilidade acrescida de produzir e disseminar padrões de comportamento favoráveis à criação de riqueza, à justiça e ao progresso social.
A Gestão é assim em última análise uma fonte de significados essenciais ao funcionamento da sociedade e ao seu progresso em contexto complexo.
Num contexto em que o significado é o motor da afirmação individual é óbvio que a chave do desenvolvimento sustentado é a formação e a qualificação, entendidas como um processo continuado e disseminado ao longo da vida.
Uma formação e uma qualificação fundadas na capacidade de auto determinação e de decisão, fornecidas em larga medida pelas ferramentas da gestão em particular pelo desenvolvimento da capacidade de lidar com a informação e com o conhecimento.
Na sociedade emergente, o diferencial de qualificação ou a sua insuficiência são a chave da desigualdade, da perca de competitividade e da asfixia das sociedades.
Esta constatação deve ter como consequência uma mudança radical na definição de prioridades das políticas públicas.
O princípio de que cada indivíduo nasce com o dever de se formar e o direito de aceder a um emprego, só é sustentável e adequado no contexto da sociedade industrial, fundada nos processos e nas competências estáticas.
Aplicado à realidade da Economia do Conhecimento, o princípio referido é fonte de reprodução social das desigualdades e de frustração e crispação resultante da insuficiência de criação de oportunidades de emprego pela via institucional ou da acção política.
Neste contexto uma nova perspectiva tem que ser considerada. O indivíduo hoje, num contexto de nova cidadania deve ter direito à formação ao longo da vida e em contrapartida o dever de gerar valor compensatório para a sociedade, criando ou encontrando o seu posto de trabalho ou de realização pessoal, em cada momento do seu ciclo de vida.
Esta é aliás a forma de tornar cada indivíduo proprietário do seu próprio saber e das suas competências, tornando-o actor económico determinante e reforçando a conjunção entre Liberdade e Responsabilidade como suportes dum progresso sustentado.
De alguma maneira a dialéctica entre os detentores dos meios de produção e os produtores, nunca resolvida de forma satisfatória na economia industrial, retoma-se agora em relação à capacidade de utilizar a qualificação como base de criação de riqueza.
Quem deve ser o proprietário da qualificação e quem determina o seu conteúdo? Será obviamente quem financia o processo aquisitivo e por isso é cada vez mais relevante que esse financiamento seja um financiamento socialmente partilhado e um direito básico dos indivíduos, para permitir a sua autodeterminação enquanto actores sociais e económicos.
A sustentabilidade social exige contudo contrapartidas. Essa contrapartida tem que ser a exigência social pela cooperação activa e pela geração de riqueza.
Por isso cada indivíduo tem que ser cada vez mais responsabilizado pelo seu contributo para a harmonia da sociedade em que se insere, através da criação de riqueza e da postura cívica.
Daqui decorre a importância chave dum ramo emergente da gestão.
O fomento da capacidade empreendedora e a aprendizagem do empreendedorismo como conjunto de técnicas e conhecimentos que permitem a criação de novos negócios e processos de criação de riqueza.
Todos somos gestores, cada um ao seu nível e com o seu âmbito.
Esta constatação mostra que a Gestão contaminou toda a sociedade moderna, tal como tinha contaminado outros estádios da evolução da humanidade, só que agora o faz aliada a um potente transmissor e a veículos de difusão instantânea, ou seja, aliada á informação e a uma base comunicacional potente e global.
Neste contexto, quem pode duvidar de que a Gestão é a ciência do século XXI?
Sobretudo a gestão de significados e percepções e a gestão de competências para lidar com eles?
E é aqui, neste nexo central da gestão das percepções que entronca a questão fundamental da gestão da felicidade.
Sabemos que muitas das técnicas de gestão se baseiam na gestão de percepções de insatisfação que conduzem à competitividade desregrada e ao consumismo sem controlo.
Se a felicidade é a ausência de medo, na expressão feliz de Eduardo Punset, há pelo menos duas formas de gerir – gerir pelo medo fazendo da miragem da felicidade o motor da economia, ou gerir pela redução do medo fazendo da felicidade percepcionada a base genética da dinâmica económica.
É evidente que neste ponto de bifurcação entronca uma questão ética fundamental, que perpassa aliás o debate mais alargado sobre a regulação da nova economia globalizada.
Deve ser o Homem (ou se preferirem o trabalho manual ou intelectual) uma simples variável da função de maximização da criação económica de valor, ou pelo contrário é a criação de valor que deve constituir uma variável da formação duma sociedade com maior bem-estar e equidade para o Homem.
Este debate tem tido recentemente evoluções estimulantes. A própria OCDE criou um grupo de reflexão para encontrar indicadores de felicidade que no mínimo complementem o Produto Interno Bruto, nos tempos que correm, ainda o Graal incontestado da economia moderna.
Um estranho “Graal” aliás, que enfuna se uma catástrofe destruir património não produtivo, mas desfalece se uma nação eufórica comemorar uma vitória desportiva ou um evento cultural marcante.
Do meu ponto de vista não hesito na escolha. A economia serve o Homem e o seu contrário é uma aberração ética inaceitável.
Por isso entendo que a Ciência da Gestão têm muito a dar a uma Economia da Felicidade, não podendo constituir a resposta única para a minimização dos medos que tolhem a sociedade moderna, mas podendo tomar a seu cargo a resolução de alguns dos mais importantes.
Antes de mais o medo do desemprego, da não realização profissional ou do não reconhecimento social, que implica uma gestão focada na mobilidade positiva.
Depois o medo absoluto das catástrofes, da criminalidade ou da desagregação social que exige uma profunda gestão de risco.
Finalmente o medo da restrição da liberdade e da exclusão social que convoca respostas associadas a uma moderna gestão institucional baseada no aprofundamento do modelos políticos participativos de patamares múltiplos.
É claro que este triângulo do medo não esgota o poliedro das barreiras que se opõem à explicitação da felicidade dos indivíduos, sendo frágil na exploração dos medos subjectivos, das volatilidades do espírito ou das desilusões relacionais.
Cobre no entanto, do nosso ponto de vista, a malha larga dos medos cuja gestão bem sucedida tem maior impacto potencial na economia em geral e na economia da felicidade em particular.
É curiosa e promissora aliás a consonância entre este triângulo do medo com directo impacto económico e o triângulo do sucesso na economia actual, cujos vértices são a confiança, o conhecimento e a capacidade de tomar risco.
Em síntese, acreditar, aprender e empreender!
È sobre o papel da Gestão Global no acreditar, no aprender e no empreender que se baseia a abordagem que propomos como contributo para uma economia da felicidade.
Focaremos assim sucessivamente as questões da mobilidade positiva, da gestão da participação activa e da gestão do risco, como novas linhas de intervenção para a gestão moderna, quer no plano da relação com os indivíduos, quer no plano das organizações e das comunidades.
É no entanto importante, no início deste percurso final da lição esclarecer o ponto de vista da análise.
Esta não é uma lição sobre felicidade mas sim uma lição sobre gestão.
Este facto não implica que não consideremos a gestão como instrumental da felicidade de acordo com o referencial ético antes explicitado, cientes de que também nesta relação biunívoca se aplica o duplo retorno dos jogos de soma positiva.
A incerteza dos tempos modernos constitui para as organizações e para os indivíduos um factor de ameaça e uma permanente oportunidade. A primeira prioridade da gestão como contributo para a felicidade produtiva é criar condições de qualificação e percepção para que a incerteza seja um factor de desafio e realização e não um contexto de desânimo e decepção.
A flexibilidade é uma condição essencial de sucesso numa economia global de evolução brusca e que exige permanente adaptação.
Neste quadro não é possível nem recomendável anular o “stress” individual ou corporativo sob pena de desvitalizar as malhas neuronais de resposta.
É no entanto possível e desejável gerir o stress, preparando os indivíduos e as organizações para uma aprendizagem permanente em nome de objectivos fortes de progressão sustentável, criando contextos de flexigurança global, ou mais propriamente de mobilidade positiva.
A mobilidade positiva assenta sobre dois pressupostos determinantes.
Em primeiro lugar implica uma qualificação ao longo da vida focada em objectivos de realização e potencial criação, atribuindo aos indivíduos a posse plena do seu capital intelectual evitando as ondas flutuantes de mão-de-obra descartável.
Em segundo lugar pressupõe a diluição das fronteiras organizacionais, permitindo uma livre circulação de ideias e de talento, delimitada apenas pelos valores e pela missão integradora que constitui o código genético da organização ou do projecto de vida do empreendedor individual.
A mobilidade positiva sendo o melhor antídoto ao contexto de incerteza implica contudo um risco forte para a percepção de realização e para a felicidade os indivíduos.
A mudança permanente, o saltitar entre projectos e desafios tornam difícil estabelecer uma métrica de mérito absoluto e de nível de concretização de objectivos, gerando o temor pelo julgamento final, ou seja pelo momento de balanço final dum percurso profissional ou dum percurso de vida.
É por isso que o envolvimento total em cada projecto, mais do que a participação parcelar, é fundamental quer para a obtenção de bons resultados quer para o desenvolvimento dumas cultura de inclusão fundamental para o bem estar e para a realização individual e dos projectos de equipa.
Esta nova perspectiva, de que os balanços se fazem em tempo real e não no fim de ciclos mais ou menos longos, está a contaminar todos os domínios da sociedade e dele resultam os fundamentos da nova política, da nova gestão e da nova liderança.
Uma política, uma gestão e uma liderança baseadas na interacção permanente e não no mandato discreto. De facto só a agregação inclusiva permite criar contextos de continuidade mobilizadores para uma boa gestão de descontinuidades.
A sua ausência conduz à dispersão, ao efémero e à fluidez excessiva dos compromissos, gerando vazios que são campo fértil à angústia e ao medo de que a soma das partes em que a vida se recorta não conduza à imagem sonhada.
É neste quadro que assume particular importância o conceito emergente da sustentabilidade, hoje usado e abusado em todas as abordagens, mas que é fundamental para uma gestão que conecte felicidade e valor.
A complexidade implica que cada indivíduo seja a chave da sustentabilidade da sua família, da sua empresa, da sua organização, da sua comunidade, do mundo em que vive.
A consciência deste protagonismo absoluto cria o espaço ideal para o desenvolvimento duma rede de vigilância e cooperação mutualista, baseada na equidade e na solidariedade.
Esta visão, aproximando a abordagem das fronteiras da utopia, não pode deixar de constituir a referência para quem tem feito da vida um combate permanente pelas ideias do progresso e da justiça social, procurando fazer confluir a vivência académica e a participação cívica.
Foi a partir da vivência de intervenção cívica e pedagógica que fluiu o pensamento que estrutura esta lição e que me permitiu concluir que a chave da gestão moderna é a educação para a felicidade.
Uma educação múltipla que permita constituir uma base interpretativa que cruze atitudes de inovação e criatividade na criação de valor, suportadas no talento, na tecnologia e na tolerância, de forma a conjugar sucesso económico com a realização dos indivíduos e das comunidades em que se inserem.
Esta visão da gestão, sei-o por experiência própria, é fortemente motivadora das aprendizagens e dá um contributo relevante para que cada indivíduo que se apaixona por esta ciência encontre o seu nicho de especialização e criação de valor, como empreendedor, gestor operacional, motivador de equipas ou integrador de visões mobilizadoras.
Constitui também uma frustração para os que escolhem estudar gestão apenas porque ela promete uma mobilidade social rápida, ganhar muito dinheiro, aceder aos benefícios vários das administrações.
Quero sossegar os que fazem a escolha por estes motivos.
A gestão também conduz ao ter e não sendo um caminho garantido, como nenhum outro o é nesta sociedade em mutação, é um dos mais promissores para os que procuram maximizar o retorno económico da sua capacidade profissional.
Nesta lição contudo, escolhi reflectir sobre a gestão como uma ciência que pode e deve contribuir para uma economia da felicidade e não sobre a visão contabilística da sua prática.
E confesso-vos que concluída a tarefa, a escolha feita não me deixou rico, mas me deixou feliz!
Obrigado pela vossa atenção.
Uma sala de actos de rara beleza e longa história, que constitui o salão nobre dos claustros que me viram crescer como homem e como profissional, rodeado de amigos e de mestres a quem dedico as primeiras palavras deste momento, e a quem dirijo com emoção um singelo obrigado.
Um obrigado que é simultaneamente uma lembrança indelével para aqueles que o tempo já convidou a partir, mas que continuam entre nós pela força da amizade e da vontade de conhecer e partilhar com que pautaram a sua vida.
Recordo neste momento a minha profunda ligação a este espaço, que começou quando com apenas dezasseis anos entrei no então Liceu Nacional de Évora, que funcionava neste edifício e que prosseguiu neste mesmo Convento do Espírito Santo com a licenciatura em Gestão, o Doutoramento em Gestão da Informação, a Agregação e o atingir da Cátedra.
Ao longo deste caminho procurei sempre ser digno da escolha que fiz.
Aquilo que deve mover o homem de ciência e o pedagogo é a procura da verdade e a partilha dos instrumentos que ajudam a caminhar no seu sentido.
Foi com este pressuposto que escolhi o tema desta lição inaugural.
Uma lição sobre gestão, tendo em conta o contexto de globalização em que ela hoje é exercida, mas também uma lição sobre a vida, sobre a aprendizagem e sobre os caminhos que conduzem os indivíduos a patamares mais elevados de realização pessoal enquanto agentes económicos e sociais.
Entendo que quando lhe é dada a oportunidade de proferir uma lição inaugural, reconhecimento implícito de maturidade e confiança outorgada pelos seus pares, não se deve o orador limitar a expor o que aprendeu na investigação ou no processo de ensino.
De facto, sobre esses dois pilares estruturantes, vão os anos tecendo uma malha única e maravilhosa de experiências de vida, de saber implícito, de vivências com valor pedagógico e científico, que são o capital adquirido mais valioso e aquele cuja partilha certamente mais se coaduna à solenidade deste acto.
Vou reflectir convosco nos próximos minutos sobre gestão e sobre felicidade.
Um casamento improvável, convenhamos! Tão improvável quanto conveniente e necessário.
A maioria dos cidadãos comuns associa Gestão a comando e controlo e portanto a um saber que restringe graus de liberdade em troco duma compensação financeira fundamental para a subsistência dos indivíduos e das famílias e para o equilíbrio das sociedades.
A Gestão comando e controlo é uma realidade objectiva e não desapareceu. Está hoje aliás mais forte e saudável que nunca, impregnada não apenas nas organizações como também nos sistemas de informação que as suportam e que se transformam cada vez mais em próteses gestionárias de elevado rigor e sensibilidade.
A globalização em rede, desenvolvida sobre a nova tectónica dos sistemas de informação, estruturada já não apenas nos fluxos de mercadorias, capitais e pessoas, mas construída sobre redes globais fluidas, flexíveis e com elevado grau de permanência, recoloca o indivíduo, organizado ou não em comunidades, no centro do processo de criação de riqueza e de definição das dinâmicas económicas.
Terminou o tempo em que pensar global e agir local garantia a articulação perfeita entre a grande dimensão e a pequena dimensão.
Hoje é fundamental pensar global e agir global, quando se pretende induzir desenvolvimento num patamar local.
Ora, o motor desse desenvolvimento local são os indivíduos nos diversos papéis que desempenham e nas fórmulas de organização que estabelecem.
Daqui decorre uma evidência clara. Uma economia saudável e consistente precisa de indivíduos felizes.
Dito de outra maneira, havendo certamente na vida milhares de formas de se ser feliz (ou de se ser infeliz), compete cada vez mais à gestão promover nas empresas, nos mercados ou nas instituições uma convergência activa entre a felicidade e a criação de valor económico e social.
Chegámos assim ao cerne do objecto desta lição. Num contexto de Gestão Global e globalizada, o contributo para a felicidade de trabalhadores e consumidores deve ser um dos objectivos da Gestão enquanto ciência e enquanto técnica?
Acredito que isso não apenas é possível como é mutuamente desejável. Por isso centrei esta lição nas relações entre a gestão e a felicidade, lembrando uma definição antiga e provocatória com que costumo estimular os neófitos destes estudos, dizendo-lhe que o gestor é o sacerdote do ofício material!
Mas o que é a Gestão? Do meu ponto de vista, e sem menosprezo para todas as outras áreas do saber que dela são afluentes críticos e determinantes, a gestão global é á ciência do século XXI.
Afirmei-o, não sem alguma polémica, na abertura duma edição temática da Revista Economia e Sociologia, uma das expressões máximas da literatura científica da nossa academia e reitero-o agora com similar fundamentação e convicção.
A origem da Gestão como actividade humana de sobrevivência e desenvolvimento vem de tempos imemoriais. Logo que o Homem sentiu necessidade de decidir, escolher ou optar, iniciou a sedimentação das suas capacidades de gerir.
As dinâmicas sociais e económicas ao longo da história foram tornando cada vez mais densos e difíceis os processos de decisão, escolha e opção.
Mais e mais variáveis, umas mais previsíveis ou controláveis que outras, foram sendo conhecidas.
Com a fluidez imaterial que caracteriza a sociedade da informação em que hoje vivemos, a multiplicidade de factores e condicionantes de decisão tornaram a gestão, complexa por natureza.
Uma complexidade geradora de contextos de incerteza, em que o cérebro humano e a sua capacidade de análise, discernimento e decisão se transformaram no maior activo criador e na chave da gestão moderna.
Neste quadro emergente, a gestão é cada vez mais a ciência das ciências.
Não porque a Gestão substitua ou seja mais importante do que os outros saberes, mas porque constitui para todos eles um complemento indispensável, capaz de lhes dar sustentabilidade, coerência e valor económico e social acrescido.
Vivemos hoje num mundo global cuja dinâmica de transformação é determinada pelo acesso e pela capacidade de lidar com informação.
É certo que muitos territórios e muitas pessoas continuam não conectados às redes virtuais de decisão.
Contudo, são aqueles que se integram de forma directa ou indirecta na malha reticular global de decisão que influenciam as dinâmicas de mudança.
Os outros, mesmo que sejam maiorias circunstanciais do ponto de vista territorial, são imensas minorias à escala global em que os movimentos de transformação ganham forma e se concretizam.
A dicotomia antes descrita é aliás um dos principais problemas que afecta hoje a solidez funcional das democracias representativas.
Uma sociedade cuja dinâmica de transformação é gerada pelos fluxos de informação / acção é por natureza uma sociedade complexa, não determinística, que evolui probabilisticamente e só é passível de ser percepcionada e compreendida através de modelos interpretativos da realidade.
Modelos que constituem representações selectivas, que permitem atribuir relevância ou irrelevância ás torrentes de informação a que cada pessoa ou cada organização podem aceder.
O modelo interpretativo, desenvolvido e treinado em função de objectivos, projectos ou interesses específicos, é um recurso base de sobrevivência na Sociedade actual.
A sua ausência lança as pessoas ou as instituições num processo degenerativo de infodependência compulsiva.
De facto, se é verdade que a informação reduz a incerteza quando o seu uso é focalizado num determinado objecto, facto ou processo a conhecer, quando tal não acontece, a informação é um poderoso gerador dessa mesma incerteza.
A informação é assim simultaneamente parte da solução e do problema, sendo que a chave está na representação que permite definir a solução e não alastrar o problema.
Gerir é por isso hoje, antes de mais e sobretudo, gerir representações e competências para as criar. É por isso que a Gestão é hoje uma ciência da convergência.
Representações capazes de ajudar a resolver problemas e a criar valor são necessárias na biologia, na economia, na matemática, na física, na história, na sociologia, na engenharia, na arquitectura, na medicina ou na geografia.
Criá-las, melhorá-las, integrá-las … isso é saber da Gestão.
Por isso a Gestão é a Ciência do século XXI e a ferramenta adequada para do ponto de vista social lidar com a complexidade.
E por isso também é cada vez maior o número de profissionais das diferentes áreas do saber que sentem necessidade de obter formação complementar em Gestão.
Num tempo de diversidade acrescida, a convergência pela gestão é uma dinâmica que vale a pena compreender e explorar.
Vivemos um tempo de globalização, dispersão, multiplicidade e complexidade.
As representações e a sua gestão são modelos de convergência para compreender o mundo, de forma a poder interagir com a sua dinâmica de mudança.
No mundo das ciências naturais procura-se avidamente uma teoria universal que permita ouvir a música do universo, cruzando células, átomos e bits e saberes da biologia, da física quântica e das ciências da informação.
Ao mesmo tempo, procurando libertar-se das rédeas do tempo e do espaço, dados, sons e imagens são laboriosamente intrincados pelas novas tecnologias, de forma a gerar realidades convergentes de comunicação e representação multimédia.
A gestão, enquanto ciência da convergência e da transformação, cruza todas as ciências sociais e os seus contributos analíticos, na exacta medida em que captura contributos de todas elas para definir opções e escolhas compatíveis com os objectivos definidos, sejam eles a criação de valor, a remuneração dos factores ou qualquer outra dimensão de satisfação ou interesse de quem gere ou mandata para gerir.
A gestão assume assim um papel de plataforma transversal do saber transformador, tendo as competências, o conhecimento e a informação como operadores fundamentais no desenho de representações adequadas aos objectos científicos ou práticos de suporte.
Os níveis de transversalidade da gestão afirmam-se em diferentes plataformas de complexidade.
A gestão pode assumir um carácter operacional, focalizando-se essencialmente sobre a gestão de dados e processos, um carácter táctico quando se centra nos significados e no conhecimento e um carácter estratégico quando trata da interpretação e das competências necessárias para a concretizar.
Competir e sobreviver implica cada vez mais a criação de contextos resilientes, simultaneamente coesos e flexíveis.
A resiliência sempre foi ao longo dos tempos uma meta da gestão.
Conseguir o melhor de dois mundos; cruzar a consistência organizacional com a adaptabilidade funcional face à dinâmica dos mercados.
O desenvolvimento das tecnologias da informação e da comunicação criaram uma ilusão de facilidade na procura da resiliência.
Aparentemente, estruturas fortes sujeitas a informação actual e permanente, gerariam decisões adequadas e adaptadas ás necessidades.
Este pressuposto contudo não resistiu à dimensão psicológica e de relação de poderes subjacente a todas as decisões empresariais.
Com surpresa, os especialistas foram constatando o poder crescente dos filtros de informação e leitura gerados ao longo da estrutura, para que nada de essencial mudasse.
Nada de estranho afinal! O paradoxo da mudança revela-nos a essência da resistência à mudança e da aparente imunidade à comunicação e à informação como seus instrumentos!
Porque quererão mudar os que têm poder para mudar? As suas orientações explícitas ou implícitas de mudança visam obviamente manter o poder primordial, ficando assim a organização prisioneira das relações de poder da sua estrutura dirigente.
A gestão não é no entanto uma ciência de acomodação. Restrição significa oportunidade de mudança de paradigma. E foi isso que sucedeu. Hoje gerimos sob uma nova equação.
A identidade e a coesão são dadas pelo repositório e pelas redes de informação e de conhecimento.
Com esse suporte os modelos organizacionais podem ser flexíveis, virtuais, em rede, grupais, de todas as formas e modelos que a imaginação pode imaginar e a competitividade global exige.
Esta realidade emergente coloca novos desafios éticos à ciência da gestão. Os valores são agora imbricados na informação, na gestão de percepções e na partilha do saber.
Na sociedade em que vivemos, nenhum Homem é verdadeiramente livre, se pelo significado, não for capaz de se libertar da manipulação, desenvolvendo a capacidade de descodificar e seleccionar a informação relevante a que acede.
Da mesma forma, nenhum Homem é verdadeiramente igual se não tiver iguais condições de acesso a essa informação relevante, nem verdadeiramente “humano” se for excluído das redes virtuais em que hoje se consolida a solidariedade, a cooperação e a convergência por objectivos comuns.
Como Ciência que é, a Gestão necessita de ser aprendida e praticada.
A fronteira entre a prática científica da gestão e a sua prática empírica é no entanto muito ténue numa sociedade em que a sobrevivência é um jogo permanente de combinação de recursos, troca e decisão.
Todo o Homem é em certos momentos da sua vida um praticante da gestão e por isso a Gestão tem também uma responsabilidade acrescida de produzir e disseminar padrões de comportamento favoráveis à criação de riqueza, à justiça e ao progresso social.
A Gestão é assim em última análise uma fonte de significados essenciais ao funcionamento da sociedade e ao seu progresso em contexto complexo.
Num contexto em que o significado é o motor da afirmação individual é óbvio que a chave do desenvolvimento sustentado é a formação e a qualificação, entendidas como um processo continuado e disseminado ao longo da vida.
Uma formação e uma qualificação fundadas na capacidade de auto determinação e de decisão, fornecidas em larga medida pelas ferramentas da gestão em particular pelo desenvolvimento da capacidade de lidar com a informação e com o conhecimento.
Na sociedade emergente, o diferencial de qualificação ou a sua insuficiência são a chave da desigualdade, da perca de competitividade e da asfixia das sociedades.
Esta constatação deve ter como consequência uma mudança radical na definição de prioridades das políticas públicas.
O princípio de que cada indivíduo nasce com o dever de se formar e o direito de aceder a um emprego, só é sustentável e adequado no contexto da sociedade industrial, fundada nos processos e nas competências estáticas.
Aplicado à realidade da Economia do Conhecimento, o princípio referido é fonte de reprodução social das desigualdades e de frustração e crispação resultante da insuficiência de criação de oportunidades de emprego pela via institucional ou da acção política.
Neste contexto uma nova perspectiva tem que ser considerada. O indivíduo hoje, num contexto de nova cidadania deve ter direito à formação ao longo da vida e em contrapartida o dever de gerar valor compensatório para a sociedade, criando ou encontrando o seu posto de trabalho ou de realização pessoal, em cada momento do seu ciclo de vida.
Esta é aliás a forma de tornar cada indivíduo proprietário do seu próprio saber e das suas competências, tornando-o actor económico determinante e reforçando a conjunção entre Liberdade e Responsabilidade como suportes dum progresso sustentado.
De alguma maneira a dialéctica entre os detentores dos meios de produção e os produtores, nunca resolvida de forma satisfatória na economia industrial, retoma-se agora em relação à capacidade de utilizar a qualificação como base de criação de riqueza.
Quem deve ser o proprietário da qualificação e quem determina o seu conteúdo? Será obviamente quem financia o processo aquisitivo e por isso é cada vez mais relevante que esse financiamento seja um financiamento socialmente partilhado e um direito básico dos indivíduos, para permitir a sua autodeterminação enquanto actores sociais e económicos.
A sustentabilidade social exige contudo contrapartidas. Essa contrapartida tem que ser a exigência social pela cooperação activa e pela geração de riqueza.
Por isso cada indivíduo tem que ser cada vez mais responsabilizado pelo seu contributo para a harmonia da sociedade em que se insere, através da criação de riqueza e da postura cívica.
Daqui decorre a importância chave dum ramo emergente da gestão.
O fomento da capacidade empreendedora e a aprendizagem do empreendedorismo como conjunto de técnicas e conhecimentos que permitem a criação de novos negócios e processos de criação de riqueza.
Todos somos gestores, cada um ao seu nível e com o seu âmbito.
Esta constatação mostra que a Gestão contaminou toda a sociedade moderna, tal como tinha contaminado outros estádios da evolução da humanidade, só que agora o faz aliada a um potente transmissor e a veículos de difusão instantânea, ou seja, aliada á informação e a uma base comunicacional potente e global.
Neste contexto, quem pode duvidar de que a Gestão é a ciência do século XXI?
Sobretudo a gestão de significados e percepções e a gestão de competências para lidar com eles?
E é aqui, neste nexo central da gestão das percepções que entronca a questão fundamental da gestão da felicidade.
Sabemos que muitas das técnicas de gestão se baseiam na gestão de percepções de insatisfação que conduzem à competitividade desregrada e ao consumismo sem controlo.
Se a felicidade é a ausência de medo, na expressão feliz de Eduardo Punset, há pelo menos duas formas de gerir – gerir pelo medo fazendo da miragem da felicidade o motor da economia, ou gerir pela redução do medo fazendo da felicidade percepcionada a base genética da dinâmica económica.
É evidente que neste ponto de bifurcação entronca uma questão ética fundamental, que perpassa aliás o debate mais alargado sobre a regulação da nova economia globalizada.
Deve ser o Homem (ou se preferirem o trabalho manual ou intelectual) uma simples variável da função de maximização da criação económica de valor, ou pelo contrário é a criação de valor que deve constituir uma variável da formação duma sociedade com maior bem-estar e equidade para o Homem.
Este debate tem tido recentemente evoluções estimulantes. A própria OCDE criou um grupo de reflexão para encontrar indicadores de felicidade que no mínimo complementem o Produto Interno Bruto, nos tempos que correm, ainda o Graal incontestado da economia moderna.
Um estranho “Graal” aliás, que enfuna se uma catástrofe destruir património não produtivo, mas desfalece se uma nação eufórica comemorar uma vitória desportiva ou um evento cultural marcante.
Do meu ponto de vista não hesito na escolha. A economia serve o Homem e o seu contrário é uma aberração ética inaceitável.
Por isso entendo que a Ciência da Gestão têm muito a dar a uma Economia da Felicidade, não podendo constituir a resposta única para a minimização dos medos que tolhem a sociedade moderna, mas podendo tomar a seu cargo a resolução de alguns dos mais importantes.
Antes de mais o medo do desemprego, da não realização profissional ou do não reconhecimento social, que implica uma gestão focada na mobilidade positiva.
Depois o medo absoluto das catástrofes, da criminalidade ou da desagregação social que exige uma profunda gestão de risco.
Finalmente o medo da restrição da liberdade e da exclusão social que convoca respostas associadas a uma moderna gestão institucional baseada no aprofundamento do modelos políticos participativos de patamares múltiplos.
É claro que este triângulo do medo não esgota o poliedro das barreiras que se opõem à explicitação da felicidade dos indivíduos, sendo frágil na exploração dos medos subjectivos, das volatilidades do espírito ou das desilusões relacionais.
Cobre no entanto, do nosso ponto de vista, a malha larga dos medos cuja gestão bem sucedida tem maior impacto potencial na economia em geral e na economia da felicidade em particular.
É curiosa e promissora aliás a consonância entre este triângulo do medo com directo impacto económico e o triângulo do sucesso na economia actual, cujos vértices são a confiança, o conhecimento e a capacidade de tomar risco.
Em síntese, acreditar, aprender e empreender!
È sobre o papel da Gestão Global no acreditar, no aprender e no empreender que se baseia a abordagem que propomos como contributo para uma economia da felicidade.
Focaremos assim sucessivamente as questões da mobilidade positiva, da gestão da participação activa e da gestão do risco, como novas linhas de intervenção para a gestão moderna, quer no plano da relação com os indivíduos, quer no plano das organizações e das comunidades.
É no entanto importante, no início deste percurso final da lição esclarecer o ponto de vista da análise.
Esta não é uma lição sobre felicidade mas sim uma lição sobre gestão.
Este facto não implica que não consideremos a gestão como instrumental da felicidade de acordo com o referencial ético antes explicitado, cientes de que também nesta relação biunívoca se aplica o duplo retorno dos jogos de soma positiva.
A incerteza dos tempos modernos constitui para as organizações e para os indivíduos um factor de ameaça e uma permanente oportunidade. A primeira prioridade da gestão como contributo para a felicidade produtiva é criar condições de qualificação e percepção para que a incerteza seja um factor de desafio e realização e não um contexto de desânimo e decepção.
A flexibilidade é uma condição essencial de sucesso numa economia global de evolução brusca e que exige permanente adaptação.
Neste quadro não é possível nem recomendável anular o “stress” individual ou corporativo sob pena de desvitalizar as malhas neuronais de resposta.
É no entanto possível e desejável gerir o stress, preparando os indivíduos e as organizações para uma aprendizagem permanente em nome de objectivos fortes de progressão sustentável, criando contextos de flexigurança global, ou mais propriamente de mobilidade positiva.
A mobilidade positiva assenta sobre dois pressupostos determinantes.
Em primeiro lugar implica uma qualificação ao longo da vida focada em objectivos de realização e potencial criação, atribuindo aos indivíduos a posse plena do seu capital intelectual evitando as ondas flutuantes de mão-de-obra descartável.
Em segundo lugar pressupõe a diluição das fronteiras organizacionais, permitindo uma livre circulação de ideias e de talento, delimitada apenas pelos valores e pela missão integradora que constitui o código genético da organização ou do projecto de vida do empreendedor individual.
A mobilidade positiva sendo o melhor antídoto ao contexto de incerteza implica contudo um risco forte para a percepção de realização e para a felicidade os indivíduos.
A mudança permanente, o saltitar entre projectos e desafios tornam difícil estabelecer uma métrica de mérito absoluto e de nível de concretização de objectivos, gerando o temor pelo julgamento final, ou seja pelo momento de balanço final dum percurso profissional ou dum percurso de vida.
É por isso que o envolvimento total em cada projecto, mais do que a participação parcelar, é fundamental quer para a obtenção de bons resultados quer para o desenvolvimento dumas cultura de inclusão fundamental para o bem estar e para a realização individual e dos projectos de equipa.
Esta nova perspectiva, de que os balanços se fazem em tempo real e não no fim de ciclos mais ou menos longos, está a contaminar todos os domínios da sociedade e dele resultam os fundamentos da nova política, da nova gestão e da nova liderança.
Uma política, uma gestão e uma liderança baseadas na interacção permanente e não no mandato discreto. De facto só a agregação inclusiva permite criar contextos de continuidade mobilizadores para uma boa gestão de descontinuidades.
A sua ausência conduz à dispersão, ao efémero e à fluidez excessiva dos compromissos, gerando vazios que são campo fértil à angústia e ao medo de que a soma das partes em que a vida se recorta não conduza à imagem sonhada.
É neste quadro que assume particular importância o conceito emergente da sustentabilidade, hoje usado e abusado em todas as abordagens, mas que é fundamental para uma gestão que conecte felicidade e valor.
A complexidade implica que cada indivíduo seja a chave da sustentabilidade da sua família, da sua empresa, da sua organização, da sua comunidade, do mundo em que vive.
A consciência deste protagonismo absoluto cria o espaço ideal para o desenvolvimento duma rede de vigilância e cooperação mutualista, baseada na equidade e na solidariedade.
Esta visão, aproximando a abordagem das fronteiras da utopia, não pode deixar de constituir a referência para quem tem feito da vida um combate permanente pelas ideias do progresso e da justiça social, procurando fazer confluir a vivência académica e a participação cívica.
Foi a partir da vivência de intervenção cívica e pedagógica que fluiu o pensamento que estrutura esta lição e que me permitiu concluir que a chave da gestão moderna é a educação para a felicidade.
Uma educação múltipla que permita constituir uma base interpretativa que cruze atitudes de inovação e criatividade na criação de valor, suportadas no talento, na tecnologia e na tolerância, de forma a conjugar sucesso económico com a realização dos indivíduos e das comunidades em que se inserem.
Esta visão da gestão, sei-o por experiência própria, é fortemente motivadora das aprendizagens e dá um contributo relevante para que cada indivíduo que se apaixona por esta ciência encontre o seu nicho de especialização e criação de valor, como empreendedor, gestor operacional, motivador de equipas ou integrador de visões mobilizadoras.
Constitui também uma frustração para os que escolhem estudar gestão apenas porque ela promete uma mobilidade social rápida, ganhar muito dinheiro, aceder aos benefícios vários das administrações.
Quero sossegar os que fazem a escolha por estes motivos.
A gestão também conduz ao ter e não sendo um caminho garantido, como nenhum outro o é nesta sociedade em mutação, é um dos mais promissores para os que procuram maximizar o retorno económico da sua capacidade profissional.
Nesta lição contudo, escolhi reflectir sobre a gestão como uma ciência que pode e deve contribuir para uma economia da felicidade e não sobre a visão contabilística da sua prática.
E confesso-vos que concluída a tarefa, a escolha feita não me deixou rico, mas me deixou feliz!
Obrigado pela vossa atenção.
Comentários