Uma Orquestra no Morro
Numa recente deslocação a Luanda, Angola, onde participei como convidado na 10º Cimeira de Chefes de Estado e de Governo dos Países de África, Caraíbas e Pacífico, tive a oportunidade de visitar o projeto “Ecojovens” dinamizado pela Associação D.Bosco e cofinanciado pela União Europeia, cujo objetivo é apoiar meninos de rua, sem enquadramento familiar, que ali encontram abrigo, estudam e aprendem profissões diversas para abrir portas à sua inserção social.
Durante a visita os jovens fizeram pequenas demonstrações das suas aprendizagens, todas elas com um sentido muito prático e sempre inspiradas pela necessidade de adotar boas práticas para proteger o planeta e aproveitar o melhor possível os recursos escassos disponíveis, em particular numa metrópole imensa e superpovoada como é Luanda.
Um deles, que aprendia música, tocou para todos duas peças no seu violino. No final da visita, enquanto partilhávamos algumas das simples, mas saborosas iguarias daquela terra, preparadas pelos jovens do projeto, e que me avivaram e bem a memória de quando lá vivi na minha adolescência, perguntei ao violinista quais eram os seus sonhospara o futuro.
A sua resposta, que dá título a esta crónica, comoveu-me tanto que não mais a esqueci e julgo que jamais a esquecerei. São respostas como a que ele me deu que nos devem motivar para acreditar e trabalhar o mais que pudermos para que todos os seres humanos tenham acesso a uma vida livre e digna.
Seria normal e expectável que a sua resposta tivesse sido que a de que gostaria mais tarde de tocar numa orquestra, num grupo ou a solo. Ser famoso como alguns dos seus ídolos locais ou internacionais. Subir aos palcos do reconhecimento e da realização. Acredito que esses eram e serão certamente alguns dos seus desejos mais íntimos. Da sua sua forma de desejar ser feliz. Mas na simplicidade extrema daquele lugar, aquele menino arrancado à rua para a ela voltar mais habilitado para viver uma vida com sentido, segurança e dignidade, ao responder à minha pergunta não pensou em si, mas nos outros.
Pensou nos que ao contrário dele, não têm a possibilidade de partilhar aquela oportunidade de aprender e crescer sem fome nem medo. Pensou nos amigos que deixouno musseque, não sei se aquele que de onde estávamos podíamos avistar, ou outro qualquer mais longínquo. Pensou e disse-me de forma sussurrada que o seu sonho era um dia criar uma orquestra no morro!
Se um dia ouvirem uma orquestra a tocar num bairro pobre de Luanda, saibam que foi um milagre. O milagre da bondade, expressa nas notas de um violinista chamado Francisco.