Estado aos "Papéis" - Uma reflexão a propósito dos "Panamá Papers"
2016/04/09 11:21
| Diário do Sul, Visto do Alentejo
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A cobrança de impostos é nas Sociedade organizadas um dos principais
pilares de soberania. Os Impérios ou os Estados ganharam corpo através da
recolha legítima ou ilegítima de recursos que depois usaram nas suas funções se
soberania, na guerra e na paz, na criação de infraestruturas, na educação, na
justiça ou na saúde.
O uso do dinheiro cobrado em funções de estruturação ou de
redistribuição social tem vindo a mudar ao longo dos tempos e também em função
da evolução dos quadros legais e dos modelos de organização do poder. O Estado
moderno, maior ou menor, mais executor ou mais regulador, é um dos principais
fatores de desenvolvimento e coesão social. Em torno da sua forma de agir
travam-se combates ideológicos e em democracia decide-se quem deve governar.
Nos últimos anos, os Estados foram sujeitos a uma a uma dupla pressão
que lhes retirou força e a confiança de um número cada vez maior de cidadãos.
Por um lado a evolução demográfica, os novos instrumentos tecnológicos e as
novas necessidades das populações foram exigindo cada vez mais financiamento
para as políticas públicas. Por outro lado os desafios da competitividade
global e o empobrecimento de largas camadas das populações foram tornando cada
vez mais difícil obter receitas e conseguir esses financiamentos. Nasceu assim
a praga dos “deficits” estruturais e da dependência estreita entre os Estados
soberanos e os sistemas financeiros que garantem a preço elevado a sua
solvabilidade.
No meio de todo este processo, alguns Estados, muitos deles com “excelente”
nome na praça, passaram para o outro lado da barricada. Substituíram-se ao
Estado soberano no exercício da cobrança de impostos, com o “desconto” inerente
de não terem que usar esses impostos em contrapartidas de soberania para quem
gerou a riqueza. Outros Estados criaram ou permitiram criar sistemas paralelos
de armazenagem de dinheiro protegido contra a ação soberana da cobrança de
impostos e da verificação da legalidade da sua origem.
Tudo o que acabei de descrever colocou os Estados modernos “aos
papéis”. Por um lado as funções que têm que desempenhar são cada vez mais
essenciais e exigentes. Por outro lado o exercício da cobrança dos recursos
necessários é canibalizada desde logo pela fuga fiscal interna, pelo desvio da
cobrança fiscal para Estados terceiros ou pelo desvio do objeto da cobrança
para circuitos não acessíveis. A evasão e a elisão fiscal são a fortuna
daqueles que dominam os sistemas que as promovem e de alguns Estados que sugam
a riqueza alheia, mas estão na base da fragilização dos Estados cumpridores e
da expansão insustentável das desigualdades e da pobreza no planeta.
Escrevo este texto com tristeza e com raiva. Os Estados e os cidadãos
são vítimas de burlas monstruosas que tornam a vida quotidiana pior para
biliões de pessoas. Muitos Países estão capturados por sistemas financeiros
dúbios que os sugam e depois os amarram à máquina do financiamento dos “deficits”.
Mas ainda há esperança. Foi a onda digital que permitiu descobrir a
ponta do iceberg e denunciar estas práticas. É preciso que os cidadãos usem as
armas do acesso às redes de informação e conhecimento para serem soldados no
combate para separar o trigo do joio, estancar a hemorragia financeira ilegal e
restabelecer a saúde das comunidades organizadas. É mais um combate que temos
que travar, escrutinando e trabalhando com quem democraticamente e
legitimamente nos Governa. Não nos enganemos no inimigo.
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